Segundo a manifestação de Paulo Gonet, Rui Costa assinou um contrato que previa o pagamento integral e antecipado pelos respiradores, sem a exigência de garantias para o poder público
A Procuradoria-Geral da República (PGR) indicou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a existência de novos indícios do envolvimento do ministro da Casa Civil, Rui Costa, em crimes relacionados à compra de respiradores durante a pandemia de Covid-19.
O caso, que investiga um prejuízo de R$ 48 milhões aos cofres públicos, refere-se a um contrato para a aquisição de equipamentos que nunca foram entregues. A investigação foca em um contrato firmado em 2020 pelo Consórcio Nordeste, que na época era presidido por Rui Costa, então governador da Bahia.
Segundo a manifestação do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, o então governador assinou um contrato que previa o pagamento integral e antecipado pelos respiradores, sem a exigência de garantias para o poder público. A empresa contratada, Hempcare Pharma, não possuía experiência ou capacidade técnica para fornecer os equipamentos.
Devido aos novos indícios, Gonet solicitou ao ministro Flávio Dino, relator do caso no STF, que o inquérito seja reaberto e enviado de volta ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A PGR argumenta que, como os fatos ocorreram enquanto Rui Costa exercia o mandato de governador, a competência para julgar o caso é do STJ, mesmo que ele hoje ocupe o cargo de Ministro de Estado. A investigação estava paralisada desde que foi remetida ao STF.
FRAUDE ESCANCARADA – Em abril de 2020, o Consórcio Nordeste comprou 300 respiradores para os hospitais da região por 48 milhões de reais. Na nota de empenho, assinada pelo ex-ministro Carlos Gabas, está registrado que os equipamentos “foram entregues em perfeitas condições”. Só que os respiradores nunca foram entregues. O contrato, redigido pelos próprios vendedores, o que é inusitado, foi avalizado pelo governador Rui Costa (PT), então presidente do consórcio.
Em (26/04/2022) a Polícia Federal deflagrou a Operação Cianose, que investiga a contratação da empresa Hempcare Pharma para o fornecimento de 300 ventiladores pulmonares, durante o primeiro pico da pandemia de covid-19 no Brasil, pelo Consórcio Nordeste – integrado por governos de estados dessa Região
Segundo as investigações, o processo de aquisição desses materiais teve diversas irregularidades, como o pagamento antecipado pelo presidente do corssorcio na época, Rui Costa, que estava governador da Bahia, de seu valor integral de R$ 48,7 milhões, sem que houvesse no contrato qualquer garantia relativa a eventual inadimplência por parte da contratada. Ao fim, nenhum respirador foi entregue.
Na ação, da qual auditores da Controladoria-Geral da União também participaram, foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão, em quatro diferentes unidades da federação (Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia) todos expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça.
Os investigados podem responder pelos crimes de estelionato em detrimento de entidade pública, dispensa de licitação sem observância das formalidades legais e lavagem de dinheiro.
Em nota publicada na data, o Consórcio Nordeste até tentou explicar afirmando que a aquisição conjunta de ventiladores pulmonares pelo grupo foi realizada logo no início da pandemia em processo administrativo “que observou todos os requisitos legais”.
A assessoria do ministro Rui Costa afirmou que a manifestação da PGR não apresenta nenhum elemento acusatório novo e que não existem fatos que o vinculem diretamente a qualquer irregularidade no contrato.
A defesa também declarou que concorda com a tramitação do processo no STJ e que o maior interessado na rápida conclusão do caso é o próprio ministro.
Em declarações anteriores, Costa afirmou que, após a não entrega dos equipamentos,
determinou a abertura de uma investigação pela Polícia Civil da Bahia. Já o gabinete do ministro Flávio Dino informou que a petição da PGR ainda será analisada para decidir os próximos passos da investigação.
Vejam parte do depoimento da empresaria Cristiana Prestes, da Hempcare Pharma, que foi presa na Operação Ragnarok
A empresária Cristiana Prestes, da Hempcare Pharma, que foi presa na Operação Ragnarok, contou como foi realizada a transação milionária com o dinheiro da saúde pública do Nordeste. “intermediários ficam com R$ 12 milhões da compra dos respiradores” pelo Consórcio Nordeste, que não foram entregues, nem devolvidos os quase R$ 49 milhões dos nove estados nordestinos.
Quando foi presa na Operação Ragnarok, a empresária Cristiana Prestes, da Hempcare Pharma, foi acusada pelas autoridades daquele estado de crime de estelionato, mas o depoimento que ela prestou à Polícia Civil da Bahia contesta essa versão ao apresentar informações de que as tratativas que ocorreram na compra de respiradores foram acompanhadas pelo governo da Bahia.
Nesse depoimento, Cristiana entregou os documentos que embasam sua versão. Pela colaboração, a Polícia Civil não pediu que sua prisão e dos outros dois envolvidos no caso fossem prorrogadas. A investigação que começou na Bahia foi federalizada para o Superior Tribunal de Justiça, foro de governador de estado.
No depoimento dado na Bahia, Cristiana afirma ter feito pagamentos na ordem de R$ 12,4 milhões a três intermediários, dois deles pelos relacionamentos que fizeram a ponte entre ela e o Consórcio Nordeste e um terceiro para ajudar com contatos com a empresa chinesa a quem seriam comprados os respiradores.
Ela emitiu notas fiscais para comprovar os pagamentos.
A empresária também afirmou que quase R$ 10 milhões foram destinados a ela mesma e seu sócio pela tratativa com o consórcio.
Segundo Cristiana informou à polícia, ela teria R$ 9 milhões no exterior decorrente do dinheiro recebido pelo consórcio. A transação foi declarada às autoridades monetárias do Brasil. A empresária explicou em seu depoimento que declarou tudo que fez exatamente para que não houvesse acusação de lavagem de dinheiro ou evasão de divisas.
Também no depoimento, ela revelou que o então secretário da Casa Civil do Governo da Bahia, Bruno Dauster, a orientou para que acrescentasse aditivos contratuais para aumentar o valor unitário dos equipamentos, passando de US$ 23 mil, para US$ 27 mil e, por fim, US$ 35 mil após relatar que a China estava querendo subir o preço dos equipamentos. Um respirador do porte que o Nordeste estava contratando custa entre US$ 7 mil e US$ 15 mil.
No mesmo depoimento, ela ainda informou que equipamentos chineses poderiam ser trocados por brasileiros, sem que isso fosse formalizado em contrato. Com a repercussão do caso, Bruno Dauster deixou a Casa Civil.
Não consta no depoimento da empresária quem avalizou os repasses que ela alega ter feito. As comissões levaram os investigadores a questionar se ela tinha conhecimento da distribuição de propina dentro do Consórcio Nordeste, ao que ela disse que não, já que as negociações foram todas conduzidas pelos agentes públicos do Estado da Bahia.
Ao travar um acordo de compra internacional de respiradores com fabricante chinesa, o Consórcio Nordeste fechou negócio em que cada equipamento sairia a R$ 156.045,55. Mas o depoimento de Cristiana revela que acordos foram embutidos no valor dos aparelhos, sem que tenham sido especificados no pacto fechado entre os estados do Nordeste e a empresa.
Nenhuma das cláusulas do contrato autoriza o que foi feito com o dinheiro, segundo o depoimento de Cristiana.
De acordo com os termos do pacto entre o Consórcio Nordeste e a Hempcare, o máximo a que se chega é a previsão escrita que o dinheiro do negócio deverá cobrir todos os tributos e taxas “e outros custos necessários ao cumprimento integral do objeto da contratação”.